Na nossa família são os gatos que nos adotam, não o contrário. Normalmente
eles ficam menos de um ano. A "Mulata" foi o único gato que escolheu ficar
conosco permanentemente. Nós acreditamos que ela veio de um lar onde a
maltratavam, porque sempre que alguém chegava perto dela, ela ficava meio
assustada e defensiva. Demorava para ela confiar em alguém.
Ela tinha uma pelagem muita linda, totalmente negra. As pessoas sempre falavam
que ela era muito bonita. QUando nos mudamos de casa, nós ficamos com medo de
que ela tentasse achar o caminho para a antiga casa e se perdesse tentando
voltar para lá (ela fica solta e sai e entra de casa quando quer), mas ela nunca
fez isso.
Alguns meses depois da minha mãe se mudar para a casa nova, nós descobrimos que
a Mulata tinha câncer no lado esquerdo da boca e na garganta. Nós não tínhamos
idéia do quão sério era, mas já sabíamos que ela não estava bem. Quando a minha
mãe chamou o veterinário para a casa dela, a Mulata já estava tendo dificuldade
para engolir a comida, e estava com dores fortes. A minha mãe tentou ligar para
mim e para a minha irmã para discutirmos a alternativa de sacrificar a Mulata,
mas ela não conseguiu falar com nenhuma de nós duas (eu morava a uma hora de
lá). A minha mãe fez a difícil decisão de colocar ela para dormir enquanto o
veterinário ainda estava lá. O veterinário foi bom com ela, segundo a minha mãe,
e fez tudo sem que ela sentisse dor nenhuma. A minha irmã ficou muito chateada
por não ter tido uma chance de dizer adeus para a Mulata, e nós três tivemos uma
discussão muito séria por telefone depois.
Eu vi como a minha irmã se sentia, mas também vi como a minha mãe se sentia:
levaria meses para qualquer uma de nós ter a coragem de ir ao veterinário para
sacrificar ela. Eu estava triste, mas aliviada. A minha mãe, no entanto, chorava
muito ao final da discussão e no final já estava duvidando que tinha feito a
coisa certa. Ela falou que não podia mais ficar no telefone.
Eu fui até a cidade para visitar ela no final de semana seguinte. Ela me falou
que na mesma noite que discutimos, ela sentiu o seu colo quente, enquanto estava
sentada no sofá, se sentindo culpada. Era o tipo de calor que irradiava de um
animal. Ela olhou para baixo para ver o que era e por alguns segundos ela pode
ver a Mulata, antes dela desaparecer e o calor também. A minha mãe falou que o
seu lindo pelo negro estava brilhando com o reflexo da luz e que ela parecia
feliz. Naquele momento ela parou de se sentir culpada pela decisão que tomou,
sabendo, no seu coração, que foi o melhor para Mulata.
Desde que a Mulata morreu, (mais de um ano agora) eu, ocasionalmente, ouço
miados pela casa, quando eu visito a minha mãe. E quando eu vou subir a escada,
eu olho para o primeiro degrau, que era o lugar favorito da Mulata para
descansar, e eu ainda tenho a impressão de que ela está ali.
Karen - Recife - PE